A história da Educação do Brasil sempre registrou um significativo conjunto de ideias e de movimentos, de projetos reais e efetivos de proposição de transformações estruturais na esfera da Educação e na concepção e organização das Escolas, em sua trajetória de cinco séculos de existência. Durante grande parte deste tempo histórico a Educação escolar brasileira foi pensada e organizada sobre o conceito de privilégio de algumas classes sociais, e não como direito de todos os brasileiros e brasileiras.
Do ponto de vida histórico e jurídico plenos, a ideia de que todos os brasileiros e todas as brasileiras têm direito à Educação emergiu efetivamente a partir de 1934, na Constituição democrática daquele momento, logo mais tarde anulada com o Estado Novo (1937-1945). Em 1946 uma nova Constituição consagrava o direito à Educação como universal, e a Lei 4.024 de 20 de Dezembro de 1961, nossa primeira LDBEN (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional) buscava uma nova forma do organizar a Educação e a Escola do Brasil, numa primeira manifestação histórica na direção de buscar a transformação social escolar e pedagógica da Educação brasileira. Com o golpe militar e a ditadura civil-militar que se seguiu (1964-1985) novamente a tentativa de efetivar uma verdadeira e orgânica transformação educacional, escolar, pedagógica e curricular no Brasil foi política e historicamente frustrada. A promulgação da Lei 5.692, de 1971, efetivada na ditadura militar, solapava as iniciativas e os movimentos de mudança da Educação Brasileira, quebrando o impulso democrático de nossa primeira lei de diretrizes e bases nacionais.
Foi neste contexto que a educadora Maria Nilde Mascellani (1931-1999) ajudou a criar, liderou, debateu, propôs e coordenou (dirigiu) uma nas experiências mais destacadas de transformação pedagógica já vivenciadas na história da educação e da organização escolar do Brasil - as Escolas Vocacionais Estaduais de São Paulo.
Nasceu em São Paulo em 1931, no Bairro do Brás, ali formando-se professora na Escola Normal, depois formando-se Pedagoga na Universidade de São Paulo. Foi professora em diversas escolas paulistanas e em 1959 trabalhou na cidade de Socorro SP, nas chamadas classes experimentais, que constituíam se de medidas organizacionais de mudanças institucionais e pedagógicas de inspiração francesa, avançados e vanguardistas na Educação.
Foi convocada pelo Secretário Estadual de Educação em 1961 para executar um projeto transformador de organização das escolas paulistas, que fosse uma espécie de projeto-piloto, com a intenção de construir uma escola que ajudasse os alunos e alunas a desenvolver sua vocação e que tivesse relações profundas com a comunidade. Nascia o S.E.V. (Serviço de Ensino Vocacional), que era a denominação deste original projeto de Educação pública paulista. Os Ginásios Vocacionais foram derivações deste projeto, organizado num ciclo de 04 anos nas cidades paulistas de São Paulo SP, Americana SP e Batatais SP primeiramente, depois em Rio Claro SP, Barretos SP e São Caetano do Sul SP, em 1968. O sentido de “vocacional” aqui não se reduz às indicações de aptidões para o trabalho, mas sim para designar a perspectiva da escola socialmente justa fundada numa compreensão social da qualidade pedagógica na direção de considerar a originalidade de cada pessoa, de cada aluno (a), no sentido de “ser mais”, tomando a palavra “vocação” como expressão de humanização ou de formação humana.
A ação dos ginásios vocacionais era transformadora pela organização do ensino em tempo integral e com uma concepção de integralidade em todas as atividades desenvolvidas. A proposta de organização dos ginásios vocacionais incluía a integração curricular, as consultas às características, necessidades e prioridades da comunidade do entorno da escola, os debates e decisões participativas nos rumos e nos dinamismos das escolas. Havia um criterioso processo seletivo para as vagas nos espaços vocacionais, Maria Nilde não admitia os privilégios e recusava as recomendações de políticos e de militares que queriam matricular seus apadrinhados e familiares, isto lhe renderia muitos dissabores. A ideia de formação vocacional incluía Artes, Teatro, Música, Cultura, Jogos, educação contábil, matemática, geografia, ensino religioso e fotografia, uma novidade da época. Os professores trabalhavam em grupos e em atividades comuns, de maneira integral, articulando os conteúdos com as escolhas dos alunos e de seus interesses. Estudos do meio, leituras, caminhadas, representações teatrais, músicas populares, criações, poesias, desenhos – tudo estava vinculado ao projeto de fazer com que os alunos e alunas desenvolvessem plenamente a vocação de ser um ser humano em plenitude.
Com a decretação do AI 5 em 1968 as escolas vocacionais foram duramente perseguidas pelo regime da ditadura, acusando seus líderes, entre as quais Maria Nilde Mascellani de “ideias comunistas e subversivas”, o que se comprovou, mais tarde, serem falsas e perversas formas de perseguição e de repressão da ditadura militar para com uma das mais belas e criativas propostas de mudanças educacionais e pedagógicas daquele momento histórico. Presa e retirada da coordenação das escolas vocacionais em 1971, Maria Nilde Mascellani sofreu repressões, perseguição e prisões, acusada de subversão e caluniada pelas mais diversas e torpes mentiras. A professora somente teve o direito de voltar às Escolas e ser reintegrada às funções de Supervisora de Ensino em 1984, por ato do Governador Franco Montoro.
Maria Nilde Mascellani faleceu em 1999, de um infarto agudo, com 68 anos de idade. No mesmo ano de sua morte defendeu o Doutorado em Educação, sobre o tema da Educação do Trabalhador, meses antes de falecer. Mas deixou sua marca numa das mais destacadas instituições de educação do Brasil: os Ginásios Vocacionais Paulistas dos anos 1970.
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