Dionísia Gonçalves Pinto, que nasceu na cidade de Papari, no Rio Grande do Norte, uma pequena localidade litorânea que hoje se chama Nísia Floresta em razão de justa celebração de sua filha mais ilustre, nascida no dia 12 de Outubro de 1810. O país estava agitado pela presença da Corte de Dom João VI no Rio de Janeiro, acontecimento que viria a mudar os destinos da então maior colônia portuguesa, e no longínquo Nordeste nasceria uma das mais notáveis mulheres do Brasil. Ela escolheu o pseudônimo de Nísia Floresta, pois as condições de seu tempo de atuação não permitiam que fosse reconhecida diretamente, tantas as contradições de sua época e de sua sociedade. Morreu na França em 1885, contabilizando uma fecunda e laboriosa existência de 75 anos de vida.
Sua biografia registra hoje que esta brasileira memorável exerceu as funções de poetisa, jornalista, escritora e educadora. Quero começar pela Educação! Nísia Floresta foi a primeira educadora do Brasil. Defendeu a educação como área de igualdade de direitos, com destaque para a promoção da educação feminina e da atuação feminista – a ação educacional e educativa das mulheres – no campo das artes, da cultura, da ação social e política, pois à época se dizia que a educação era uma tarefa eminentemente masculina, pelos “cuidados e responsabilidades” que seriam exigidas. Escreveu sobre muitos temas sociais, defendeu ideais abolicionistas e denunciou as condições desumanas de escravos, escravas, indígenas e crianças, enfrentando a ordem patriarcal e masculinista que imperava no Brasil.
Denunciava como injustiça a reclusão das mulheres ao casamento e à função procriativa, escreveu sobre os direitos das mulheres e as injustiças dos homens, buscando articular as lutas feministas do Brasil com as lutas que se travavam na Europa, sobretudo a luta das sufragistas inglesas, nas décadas iniciais e seguintes do século XIX.
Filha de pai português e da mãe fazendeira, herdeira de grandes porções de terras, teve que mudar-se muitas vezes em função de tensões antilusitanas que marcaram este contexto, sobretudo pela intensidade das revoltas e das rebeliões de toda sorte, como a insurreição pernambucana de 1817. Viveu entre Pernambuco e Rio Grande do Norte, sempre fugindo de focos de tensões políticas. Seu pai, advogado de formação liberal, assumia constantes riscos pelas causas que aceitava, sempre contrário aos interesses das oligarquias agrárias de sua região. Nísia foi obrigada a casar-se aos treze anos de idade, como era o costume patriarcal, mas meses depois de casada separa-se por conta própria do marido “arranjado” e volta para a casa dos pais, que a acolhem com distinção, embora a sociedade de seu tempo a condenasse moral e politicamente. A família muda-se para Olinda, buscando escapar dos constantes ataques e ultrajes. Nísia continua a lutar por suas ideias e posições feministas e libertárias.
Em Olinda, por assumir e ganhar uma causa contra a família Cavalcanti, maior oligarquia da região, seu pai seria barbaramente assassinado por jagunços em 1828, fato que levou Nísia a presenciar a violência política em sua mais cabal expressão, aos dezessete anos de idade. Neste mesmo ano a militante Nísia Floresta começa um namoro com Manuel Augusto de Faria Rocha, um acadêmico da Faculdade de Direito e, embora condenada pelas costumes, pela Igreja e pelas leis de seu tempo enfrenta valentemente a todos e tem com ele uma filha aos 20 anos de idade, Lívia Augusta de Faria Rocha.
No ano de 1831 começa sua trajetória de jornalista e de escritora, produzindo uma série de artigos para um jornal de Recife, publicando numa coluna que recebeu o nome de Espelho das Brasileiras. Foi o primeiro libelo feminista do Brasil, destacando as condições de inferiorização e de submissão que viviam, ou eram tratadas, as mulheres do Brasil, naquele tempo. Em 1832 escreveu seu primeiro livro denominado Direito das Mulheres, Injustiças dos Homens, no qual assinou pela primeira vez como Nísia Floresta Brasileira Augusta, logrando homenagear o pai pela alcunha de “Floresta”, aludindo à fazenda da família no Rio Grande do Norte, adotou “Brasileira” pela constante manifestação de amor que sentia pelo seu país e “Augusta” dedicada ao seu amor, Manuel Augusto, com a qual teve a filha e constantemente firmava como sendo a razão de sua luta. Seria o começo de uma vida de luta, de enfrentamentos e de muita produção de artigos, contos, novelas, poesias e ensaios de toda sorte – sempre com a determinação feminista e libertadora.
Depois da publicação de seu marcante livro Nísia Floresta teve que mudar-se para o Sul do Brasil, dirigindo-se ao Rio Grande do Sul, que fervilhava de ideias liberais por razão da revolução farroupilha. Seu grande amor, Manuel Augusto, morreria em seguida, dois anos depois, deixando a revolucionária Nísia Floresta como viúva de amor aos 23 anos de idade. Ela teve que escrever sozinha a história de sua emancipação pessoal, afetiva, social pedagógica e política.
No ano de 1847 escreveu Conselhos à Minha Filha, obra dedicada à sua filha Lívia Augusta, destacando as razões para que ela igualmente lutasse para ter direitos iguais e sempre fosse tratada com a dignidade e a igualdade de gênero. Sem sombra de dúvidas Nísia Floresta foi a pioneira, a primeira mulher a escrever e a lutar pelos direitos de igualdade de gênero no Brasil, integrando as lutas das mulheres brasileiras às lutas que se travavam nos demais países do mundo. Alguns artigos e poesias, novelas e ensaios chegaram ao Rio de Janeiro, bem como algumas traduções de obras de estrangeiros que aludissem ao tema da emancipação feminina.
De 1834 a 1837 Nísia Floresta começaria a escrever sobre Educação. Dirigiu um Colégio para Meninas e passou a defender a educação plena das meninas ou das mulheres. Em muitas obras destaca relatos de viagens pela Europa, lugares nos quais igualmente atuava e sempre escrevia sobre temas de seu tempo, buscava manifestar suas ideias. A profusão de pseudônimos que usaria impede, muitas vezes, uma contabilidade rigorosa de seus textos e escritos.
Em 31 de janeiro de 1838 Nísia Floresta desembarca no Rio de Janeiro a ali fundaria o Colégio Augusto, que seria o melhor e maior colégio de educação feminina no Rio por muitos anos. Destaca-se em oferecer uma sólida educação cultural para as meninas, equiparando-se e superando, em alguns pontos, o colégio estritamente masculino que se traduziria no Colégio Dom Pedro II. Defendia os ideais de educação feminina centrada e fundamentada na concepção positivista de natureza ou identidade, tão a gosto de seu tempo. Dirigiu o Colégio por 17 anos. Lutas e doenças a impediram de continuar. Escreveu nos jornais de seu tempo e debateu, com propriedade, a igualdade de gênero na educação das mulheres.
Em 1851 o jornal carioca O Liberal passaria a publicar alguns textos e ensaios de Nísia Floresta numa coluna denominada A Emancipação da Mulher, que é um marco da luta e da publicação de temas e causas em defesa da condição da mulher no Brasil. Em 1853 escreveu uma obra Opúsculo Humanitário, no qual defende a educação das mulheres e tece criteriosos comentários sobre a condição social da mulher, sobre a Pedagogia e as possibilidades e necessidades de adaptações de gênero da Escola para o acolhimento pleno das meninas. Esta obra foi lida e comentada, favoravelmente, pelo filósofo Auguste Comte.
Fez muitas viagens pela Europa, Alemanha, Grécia, França e Itália, passando pela Inglaterra e outros países. Em Paris frequentou um curso de formação filosófica ministrado pelo próprio Auguste Comte, com o qual se alinhava, passando a defender muitas posições e argumentos de fundamentação positivista em seus textos e obras. Escreveria em 1857 – “Quanto mais ignorante é o povo, tanto mais fácil é a um governo absoluto exercer sobre ele o seu ilimitado poder”. Suas principais obras são hoje objeto de estudo: Direitos das mulheres e injustiça dos homens, 1832; Conselhos à minha filha, 1842; Daciz ou A jovem completa, 1847; Fany ou O modelo das donzelas, 1847; Discurso que às suas educandas dirigida por Nísia Floresta Brasileira Augusta, 1847; A lágrima de um Caeté, 1847; Dedicação de uma amiga, 1850; Opúsculo humanitário, 1853; Páginas de uma vida obscura, 1855; A Mulher, 1859; Trois ans en Italie, suivis d’un voyage en Grèce, 1870; Le Brésil, 1871; Fragments d’um ouvrage inèdit: notes biographiques, 1878 – para ficar nas obras que já foram reunidas e catalogadas.
Algumas de suas obras somente foram traduzidas em 1998, em 2012 inaugurou-se a Casa Nísia Floresta, depois de alguns anos que a cidade de Papari – RN mudou seu nome para homenagear sua ilustre filha.
Há algumas obras de referência sobre a identidade e a atuação de Nísia Floresta. Uma aristocrata que superou as condições de submissão de seu tempo e firmou uma página corajosa e original em defesa da educação da mulher e da emancipação feminina na sociedade. Entre o conservadorismo e o progressivismo – defendia a ideia da natural identidade feminina – nos termos da antropologia positivista, ao mesmo tempo em que denunciava os maus tratos às amas de leite, defendia o aleitamento materno, denunciava as condições de violência contra os indígenas e defendia incondicionalmente o fim da escravidão, fato que não veria acontecer, falecendo na França em 1885. O fato que leva o V CONAEDU a lembrar o pioneirismo de Nísia Floresta reside em sua combativa posição de defesa das igualdades de oportunidades educacionais para todos os seres humanos, como processo de formação e de humanização, tal como a educação mundial mais avançada já definiu na grande maioria dos países que fizeram valer a democracia em sua maior expressão: a democracia na educação.
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