Milton Santos
Até 1964, ano em que deixa o Brasil em razão do golpe militar, ele conduz paralelamente uma carreira acadêmica e atividades públicas. Jornalista e redator do jornal A Tarde (1954-1964), professor de geografia humana na Universidade Católica de Salvador (1956-1960), professor catedrático de geografia humana na Universidade Federal da Bahia onde cria o Laboratório de Geociências, será diretor da Imprensa Oficial da Bahia (1959-1961), presidente da Fundação Comissão de Planejamento Econômico do Estado da Bahia (1962-1964), e representante da Casa Civil do presidente Janio Quadros na Bahia, em 1961. Suas pesquisas e publicações da época focalizam as realidades locais, principalmente a capital – a tese de doutorado é intitulada O Centro da Cidade de Salvador – assim como as cidades e a região do Recôncavo.
Em 1964, começa uma carreira internacional imposta pela situação política no Brasil. Primeiro na França, professor convidado nas universidades de Toulouse, Bordeaux e Paris-Sorbonne, e no IEDES (Instituto de Estudos do Desenvolvimento Econômico e Social). De 1971 a 1977, inicia uma carreira verdadeiramente itinerante, ao sabor dos convites: no MIT (Massachusetts Institute of Technology – Boston) como pesquisador; e como professor convidado nas universidades de Toronto (Canadá), Caracas (Venezuela), Dar-es-Salam (Tanzânia), Columbia University (New York). Esse período abre uma longa caminhada em direção a teorização em geografia, com o intenso aproveitamento das ricas bibliotecas das grandes universidades. Primeiro uma ampliação do foco com o livro Les Villes Du Tiers Monde, 1971, onde já aparece o interesse em estudar as peculiaridades da economia urbana dos países então chamados subdesenvolvidos, caracterizada pelos seus dois circuitos, superior e inferior, e resultando no livro L’Espace Partagé: les deux circuits de l’économie des pays sous-développés publicado em francês em 1975, em inglês e português em 1979.
Em 1977, retorna ao Brasil. Passam-se dois anos antes de conseguir voltar a ensinar na universidade brasileira, primeiro na Universidade Federal do Rio de Janeiro, de 1979 a 1983, ano em que ingressa por concurso na Universidade de São Paulo, professor titular de geografia humana até a aposentadoria compulsória, recebendo o título de Professor Emérito da USP em 1997 e continuando a pesquisar, publicar e orientar estudantes até o final de sua vida.Será reintegrado oficialmente à Universidade Federal da Bahia em 1995, da qual tinha sido demitido por “ausência”. Doze universidades brasileiras e sete universidades estrangeiras lhe outorgaram o titulo de Doutor Honoris Causa.
Em 1994, recebe o Prêmio Internacional de Geografia Vautrin Lud. Nesta última fase de seu percurso, publica Por uma Geografia Nova, da crítica da geografia a uma geografia crítica (1978), contribuição à efervescência e ânsia de renovação dessa ciência no Brasil . O espaço é definido como uma instancia social ativa, a noção de formação sócio-espacial introduzida. As pesquisas, as aulas e as publicações resultantes tencionam um esforço epistemológico para dotar a geografia latino-americana de categorias de análise apropriadas.
O estudo do meio técnico-científico-informacional deve permitir entender a organização do espaço no período histórico atual. Técnica, espaço, tempo: globalização e meio técnico-científico informacional (1994), Da totalidade ao lugar (1996), Metamorfose do espaço habitado (1997), são algumas dessas publicações que desembocam na sua obra maior (no seu livro maior?): A Natureza do Espaço (1996), que quer ser “uma teoria geral do espaço humano, uma contribuição da geografia `reconstrução da teoria social”. Enfim, em 2000, publica Por uma outra globalização, do pensamento único à consciência universal.
Fonte: Site Milton Santos
Dionísia Gonçalves Pinto
Dionísia Gonçalves Pinto, que nasceu na cidade de Papari, no Rio Grande do Norte, uma pequena localidade litorânea que hoje se chama Nísia Floresta em razão de justa celebração de sua filha mais ilustre, nascida no dia 12 de Outubro de 1810. O país estava agitado pela presença da Corte de Dom João VI no Rio de Janeiro, acontecimento que viria a mudar os destinos da então maior colônia portuguesa, e no longínquo Nordeste nasceria uma das mais notáveis mulheres do Brasil. Ela escolheu o pseudônimo de Nísia Floresta, pois as condições de seu tempo de atuação não permitiam que fosse reconhecida diretamente, tantas as contradições de sua época e de sua sociedade. Morreu na França em 1885, contabilizando uma fecunda e laboriosa existência de 75 anos de vida.
Sua biografia registra hoje que esta brasileira memorável exerceu as funções de poetisa, jornalista, escritora e educadora. Quero começar pela Educação! Nísia Floresta foi a primeira educadora do Brasil. Defendeu a educação como área de igualdade de direitos, com destaque para a promoção da educação feminina e da atuação feminista – a ação educacional e educativa das mulheres – no campo das artes, da cultura, da ação social e política, pois à época se dizia que a educação era uma tarefa eminentemente masculina, pelos “cuidados e responsabilidades” que seriam exigidas. Escreveu sobre muitos temas sociais, defendeu ideais abolicionistas e denunciou as condições desumanas de escravos, escravas, indígenas e crianças, enfrentando a ordem patriarcal e masculinista que imperava no Brasil.
Denunciava como injustiça a reclusão das mulheres ao casamento e à função procriativa, escreveu sobre os direitos das mulheres e as injustiças dos homens, buscando articular as lutas feministas do Brasil com as lutas que se travavam na Europa, sobretudo a luta das sufragistas inglesas, nas décadas iniciais e seguintes do século XIX.
Filha de pai português e da mãe fazendeira, herdeira de grandes porções de terras, teve que mudar-se muitas vezes em função de tensões antilusitanas que marcaram este contexto, sobretudo pela intensidade das revoltas e das rebeliões de toda sorte, como a insurreição pernambucana de 1817. Viveu entre Pernambuco e Rio Grande do Norte, sempre fugindo de focos de tensões políticas. Seu pai, advogado de formação liberal, assumia constantes riscos pelas causas que aceitava, sempre contrário aos interesses das oligarquias agrárias de sua região. Nísia foi obrigada a casar-se aos treze anos de idade, como era o costume patriarcal, mas meses depois de casada separa-se por conta própria do marido “arranjado” e volta para a casa dos pais, que a acolhem com distinção, embora a sociedade de seu tempo a condenasse moral e politicamente. A família muda-se para Olinda, buscando escapar dos constantes ataques e ultrajes. Nísia continua a lutar por suas ideias e posições feministas e libertárias.
Em Olinda, por assumir e ganhar uma causa contra a família Cavalcanti, maior oligarquia da região, seu pai seria barbaramente assassinado por jagunços em 1828, fato que levou Nísia a presenciar a violência política em sua mais cabal expressão, aos dezessete anos de idade. Neste mesmo ano a militante Nísia Floresta começa um namoro com Manuel Augusto de Faria Rocha, um acadêmico da Faculdade de Direito e, embora condenada pelas costumes, pela Igreja e pelas leis de seu tempo enfrenta valentemente a todos e tem com ele uma filha aos 20 anos de idade, Lívia Augusta de Faria Rocha.
No ano de 1831 começa sua trajetória de jornalista e de escritora, produzindo uma série de artigos para um jornal de Recife, publicando numa coluna que recebeu o nome de Espelho das Brasileiras. Foi o primeiro libelo feminista do Brasil, destacando as condições de inferiorização e de submissão que viviam, ou eram tratadas, as mulheres do Brasil, naquele tempo. Em 1832 escreveu seu primeiro livro denominado Direito das Mulheres, Injustiças dos Homens, no qual assinou pela primeira vez como Nísia Floresta Brasileira Augusta, logrando homenagear o pai pela alcunha de “Floresta”, aludindo à fazenda da família no Rio Grande do Norte, adotou “Brasileira” pela constante manifestação de amor que sentia pelo seu país e “Augusta” dedicada ao seu amor, Manuel Augusto, com a qual teve a filha e constantemente firmava como sendo a razão de sua luta. Seria o começo de uma vida de luta, de enfrentamentos e de muita produção de artigos, contos, novelas, poesias e ensaios de toda sorte – sempre com a determinação feminista e libertadora.
Depois da publicação de seu marcante livro Nísia Floresta teve que mudar-se para o Sul do Brasil, dirigindo-se ao Rio Grande do Sul, que fervilhava de ideias liberais por razão da revolução farroupilha. Seu grande amor, Manuel Augusto, morreria em seguida, dois anos depois, deixando a revolucionária Nísia Floresta como viúva de amor aos 23 anos de idade. Ela teve que escrever sozinha a história de sua emancipação pessoal, afetiva, social pedagógica e política.
No ano de 1847 escreveu Conselhos à Minha Filha, obra dedicada à sua filha Lívia Augusta, destacando as razões para que ela igualmente lutasse para ter direitos iguais e sempre fosse tratada com a dignidade e a igualdade de gênero. Sem sombra de dúvidas Nísia Floresta foi a pioneira, a primeira mulher a escrever e a lutar pelos direitos de igualdade de gênero no Brasil, integrando as lutas das mulheres brasileiras às lutas que se travavam nos demais países do mundo. Alguns artigos e poesias, novelas e ensaios chegaram ao Rio de Janeiro, bem como algumas traduções de obras de estrangeiros que aludissem ao tema da emancipação feminina.
De 1834 a 1837 Nísia Floresta começaria a escrever sobre Educação. Dirigiu um Colégio para Meninas e passou a defender a educação plena das meninas ou das mulheres. Em muitas obras destaca relatos de viagens pela Europa, lugares nos quais igualmente atuava e sempre escrevia sobre temas de seu tempo, buscava manifestar suas ideias. A profusão de pseudônimos que usaria impede, muitas vezes, uma contabilidade rigorosa de seus textos e escritos.
Em 31 de janeiro de 1838 Nísia Floresta desembarca no Rio de Janeiro a ali fundaria o Colégio Augusto, que seria o melhor e maior colégio de educação feminina no Rio por muitos anos. Destaca-se em oferecer uma sólida educação cultural para as meninas, equiparando-se e superando, em alguns pontos, o colégio estritamente masculino que se traduziria no Colégio Dom Pedro II. Defendia os ideais de educação feminina centrada e fundamentada na concepção positivista de natureza ou identidade, tão a gosto de seu tempo. Dirigiu o Colégio por 17 anos. Lutas e doenças a impediram de continuar. Escreveu nos jornais de seu tempo e debateu, com propriedade, a igualdade de gênero na educação das mulheres.
Em 1851 o jornal carioca O Liberal passaria a publicar alguns textos e ensaios de Nísia Floresta numa coluna denominada A Emancipação da Mulher, que é um marco da luta e da publicação de temas e causas em defesa da condição da mulher no Brasil. Em 1853 escreveu uma obra Opúsculo Humanitário, no qual defende a educação das mulheres e tece criteriosos comentários sobre a condição social da mulher, sobre a Pedagogia e as possibilidades e necessidades de adaptações de gênero da Escola para o acolhimento pleno das meninas. Esta obra foi lida e comentada, favoravelmente, pelo filósofo Auguste Comte.
Fez muitas viagens pela Europa, Alemanha, Grécia, França e Itália, passando pela Inglaterra e outros países. Em Paris frequentou um curso de formação filosófica ministrado pelo próprio Auguste Comte, com o qual se alinhava, passando a defender muitas posições e argumentos de fundamentação positivista em seus textos e obras. Escreveria em 1857 – “Quanto mais ignorante é o povo, tanto mais fácil é a um governo absoluto exercer sobre ele o seu ilimitado poder”. Suas principais obras são hoje objeto de estudo: Direitos das mulheres e injustiça dos homens, 1832; Conselhos à minha filha, 1842; Daciz ou A jovem completa, 1847; Fany ou O modelo das donzelas, 1847; Discurso que às suas educandas dirigida por Nísia Floresta Brasileira Augusta, 1847; A lágrima de um Caeté, 1847; Dedicação de uma amiga, 1850; Opúsculo humanitário, 1853; Páginas de uma vida obscura, 1855; A Mulher, 1859; Trois ans en Italie, suivis d’un voyage en Grèce, 1870; Le Brésil, 1871; Fragments d’um ouvrage inèdit: notes biographiques, 1878 – para ficar nas obras que já foram reunidas e catalogadas.
Algumas de suas obras somente foram traduzidas em 1998, em 2012 inaugurou-se a Casa Nísia Floresta, depois de alguns anos que a cidade de Papari – RN mudou seu nome para homenagear sua ilustre filha.
Há algumas obras de referência sobre a identidade e a atuação de Nísia Floresta. Uma aristocrata que superou as condições de submissão de seu tempo e firmou uma página corajosa e original em defesa da educação da mulher e da emancipação feminina na sociedade. Entre o conservadorismo e o progressivismo – defendia a ideia da natural identidade feminina – nos termos da antropologia positivista, ao mesmo tempo em que denunciava os maus tratos às amas de leite, defendia o aleitamento materno, denunciava as condições de violência contra os indígenas e defendia incondicionalmente o fim da escravidão, fato que não veria acontecer, falecendo na França em 1885. O fato que leva o V CONAEDU a lembrar o pioneirismo de Nísia Floresta reside em sua combativa posição de defesa das igualdades de oportunidades educacionais para todos os seres humanos, como processo de formação e de humanização, tal como a educação mundial mais avançada já definiu na grande maioria dos países que fizeram valer a democracia em sua maior expressão: a democracia na educação.
Anísio Teixeira
Considerado o principal idealizador das grandes mudanças que marcaram a educação brasileira no século 20, Anísio Teixeira (1900-1971) foi pioneiro na implantação de escolas públicas de todos os níveis, que refletiam seu objetivo de oferecer educação gratuita para todos. Como teórico da educação, Anísio não se preocupava em defender apenas suas idéias. Muitas delas eram inspiradas na filosofia de John Dewey (1852-1952), de quem foi aluno ao fazer um curso de pós-graduação nos Estados Unidos.
Dewey considerava a educação uma constante reconstrução da experiência. Foi esse pragmatismo, observa a professora Maria Cristina Leal, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, que impulsionou Anísio a se projetar para além do papel de gestor das reformas educacionais e atuar também como filósofo da educação. A marca do pensador Anísio era uma atitude de inquietação permanente diante dos fatos, considerando a verdade não como algo definitivo, mas que se busca continuamente.
Para o pragmatismo, o mundo em transformação requer um novo tipo de homem consciente e bem preparado para resolver seus próprios problemas acompanhando a tríplice revolução da vida atual: intelectual, pelo incremento das ciências; industrial, pela tecnologia; e social, pela democracia. Essa concepção exige, segundo Anísio, “uma educação em mudança permanente, em permanente reconstrução”.
As novas responsabilidades da escola eram, portanto, educar em vez de instruir; formar homens livres em vez de homens dóceis; preparar para um futuro incerto em vez de transmitir um passado claro; e ensinar a viver com mais inteligência, mais tolerância e mais felicidade. Para isso, seria preciso reformar a escola, começando por dar a ela uma nova visão da psicologia infantil.
O próprio ato de aprender, dizia Anísio, durante muito tempo significou simples memorização; depois seu sentido passou a incluir a compreensão e a expressão do que fora ensinado; por último, envolveu algo mais: ganhar um modo de agir. Só aprendemos quando assimilamos uma coisa de tal jeito que, chegado o momento oportuno, sabemos agir de acordo com o aprendido.
Para o pensador, não se aprendem apenas idéias ou fatos mas também atitudes, ideais e senso crítico – desde que a escola disponha de condições para exercitá-los. Assim, uma
criança só pode praticar a bondade em uma escola onde haja condições reais para desenvolver o sentimento. A nova psicologia da aprendizagem obriga a escola a se transformar num local onde se vive e não em um centro preparatório para a vida. Como não aprendemos tudo o que praticamos, e sim aquilo que nos dá satisfação, o interesse do aluno deve orientar o que ele vai aprender. Portanto, é preciso que ele escolha suas atividades.
Por tudo isso, na escola progressiva as matérias escolares – Matemática, Ciências, Artes etc. – são trabalhadas dentro de uma atividade escolhida e projetada pelos alunos, fornecendo a eles formas de desenvolver sua personalidade no meio em que vivem. Nesse tipo de escola, estudo é o esforço para resolver um problema ou executar um projeto, e ensinar é guiar o aluno em uma atividade.
Quanto à disciplina, Anísio afirmava que o homem educado é aquele que sabe ir e vir com segurança, pensar com clareza, querer com firmeza e agir com tenacidade. Numa escola democrática, mestres e alunos devem trabalhar em liberdade, desenvolvendo a confiança mútua, e o professor deve incentivar o aluno a pensar e julgar por si mesmo. “Estamos passando de uma civilização baseada em uma autoridade externa para uma baseada na autoridade interna de cada um de nós”, diz ele em seu livro Pequena Introdução à Filosofia da Educação.
Como preparar o professor para essa tarefa hercúlea da escola de hoje, ocupada por tantos alunos que não se contentam em aprender apenas as técnicas e conhecimentos mais simples mas também as últimas conquistas da ciência e da cultura? O que fazer quando eles exigem informações até mesmo sobre tendências indefinidas e problemas sem solução? Para responder a tantas questões, os educadores do mundo todo precisarão de novos elementos de cultura, de estudos e de recursos, propôs o pensador, que na prática instalou novos cursos para professores. Só assim, dizia, os mestres tentarão renovar a humanidade para “a grande aventura de democracia que ainda não foi tentada”.
Para ser eficiente, dizia Anísio, a escola pública para todos deve ser de tempo integral para professores e alunos, como a Escola Parque por ele fundada em 1950 em Salvador, que mais tarde inspiraria os Centros Integrados de Educação Pública (Cieps) do Rio de Janeiro e as demais propostas de escolas de tempo integral que se sucederam. Cuidando desde a higiene e saúde da criança até sua preparação para a cidadania, essa escola é apontada como solução para a educação primária no livro Educação Não É Privilégio. Além de integral, pública, laica e obrigatória, ela deveria ser também municipalizada, para atender aos interesses de cada comunidade. O ensino público deveria ser articulado numa rede até a universidade. Anísio propôs ainda a criação de fundos financeiros para a educação, mas, mesmo com o atual Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), os recursos são insuficientes para sustentar esse modelo de escola.
Biografia
Anísio Spínola Teixeira nasceu em 12 de julho de 1900 em Caetité (BA). Filho de fazendeiro, estudou em colégios de jesuítas na Bahia e cursou direito no Rio de Janeiro. Diplomou-se em 1922 e em 1924 já era inspetor-geral do Ensino na Bahia. Viajando pela Europa em 1925, observou os sistemas de ensino da Espanha, Bélgica, Itália e França e com o mesmo objetivo fez duas viagens aos Estados Unidos entre1927 e 1929. De volta ao Brasil, foi nomeado diretor de Instrução Pública do Rio de Janeiro, onde criou entre 1931 e 1935 uma rede municipal de ensino que ia da escola primária à universidade. Perseguido pela ditadura Vargas, demitiu-se do cargo em 1936 e regressou à Bahia – onde assumiu a pasta da Educação em 1947. Sua atuação à frente do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos a partir de 1952, valorizando a pesquisa educacional no país, chegou a ser considerada tão significativa quanto a Semana da Arte Moderna ou a fundação da Universidade de São Paulo. Com a instauração do governo militar em 1964, deixou o instituto – que hoje leva seu nome – e foi lecionar em universidades americanas, de onde voltou em 1965 para continuar atuando como membro do Conselho Federal de Educação. Morreu no Rio de Janeiro em março de 1971.
Fonte: Nova Escola
REDHUMANI
A flor conhecida como dente-de-leão, que inspira o nosso símbolo ou logo, é uma das flores mais conhecidas pelo povo brasileiro, podendo ser encontrada à beira de estradas, à beira de campos de cultivo, de prados, de planícies, nas colinas e nas montanhas. Planta perene, persevera viva e vibrante diante das diferentes estações e das mudanças que o mundo impõe e, resoluta, sobrevive valente e originalmente. Não à toa, no nordeste brasileiro é conhecida pelo nome de “esperança”.
Os adultos se encantam com suas flores amarelas, solares e alegres, pulsão de vida. Para as crianças, o encontro lúdico com o fruto seco promete desejos a serem realizados com um sopro. E, em um sopro, as sementes se espalham pelos campos, pelas aldeias e cidades, transformando o horizonte, fecundando a terra no contínuo espetáculo de resistência da vida.
Teseu, filho de um rei de Atenas, teria se alimentado apenas da florzinha dente-de-leão antes de enfrentar o Minotauro e, assim, o herói, com a ajuda de Ariadne, princesa de Creta, derrotou o perverso monstro. Isso é o que se conta na Grécia. Fosse no nordeste brasileiro, a épica história seria ainda mais bonita, pois poderíamos dizer que Teseu havia se alimentado de “esperança” para enfrentar a besta-fera.
Já não há mais um Minotauro para derrotar, mesmo que alguns ainda erijam totens dourados em memória da odiosa criatura. Também não há entre nós, filhos e filhas de reis. Nós somos professoras e professores, brasileiros e brasileiras e, a partir do Rio Grande do Norte (RN), berço da REDHUMANI, alimentados de esperança, nos unimos contra a fome, contra a ignorância, no combate ao preconceito e ao obscurantismo, na superação do negacionismo e de toda forma de alienação e desumanização. Nossa luta é pela promoção coletiva da Educação como Direito e pela defesa do Direito à Educação para todas as pessoas. E, nesse porvir, nosso símbolo é o belíssimo, inspirador e democrático dente-de-leão!
Apresentação e Lançamento REDHUMANI
REDE BRASILEIRA POR INSTITUIÇÕES EDUCATIVAS SOCIALMENTE JUSTAS E
ALDEIAS, CAMPOS E CIDADES QUE EDUCAM
APRESENTAÇÃO DA REDE ÀS/AOS BRASILEIRAS/OS
O presente documento é dirigido às gestoras/es de universidades, faculdades, centros universitários, centros de pesquisa, institutos, escolas, dirigentes municipais, líderes de movimentos sociais, pesquisadores, educadores, sindicatos, associações da sociedade civil e pessoas interessadas nos objetivos e princípios proclamados neste Documento-Base, que tem a intenção de apresentar a REDHUMANI por meio da proposta de articular instituições do campo da educação e da gestão pública, visando constituir-se como rede, num amplo movimento pela humanização da educação, pela formação escolar e acadêmica integral e pela vida democrática nos diferentes territórios brasileiros.
A REDHUMANI está sendo tecida desde março de 2021 por iniciativa de um coletivo de pesquisadoras/es e docentes de universidades, escolas e organizações não governamentais, com especial interesse em mobilizar um conjunto de ações acadêmicas e sociais em torno de dois eixos estruturantes: a) interlocução com territórios que educam e b) promoção e valorização de instituições educativas socialmente justas. Nesse âmbito, a Rede pretende estimular projetos e ações que envolvam temas de importância fundamental para o país tais como: formação humana integral, territórios educativos, currículos em rede, justiça curricular na educação básica e no ensino superior, educação inclusiva, formação para a vida democrática e cidadã, gestão intersetorial, além de outros.
A concepção de territórios que educam, primeiro eixo estruturante de mobilização da REDHUMANI, assenta-se na ideia de que os territórios são lugares da existência individual e coletiva e, portanto, são dinâmicos na produção material, afetiva e simbólica da vida. Neles, a potência da educação se amplia, move a formação humana desde a etapa básica até os níveis de profissionalização e apropriação da pesquisa científica. É nas suas entranhas que estão as escolas, as universidades, os institutos e todas as demais instituições educativas, sejam elas formais ou não formais, públicas ou privadas. A formação se dá para e pela cidadania. Por sua dinâmica, natureza, complexidade e abrangência, o território torna-se, ele mesmo, um currículo aberto para aprendizagem e desenvolvimento humano.
A matriz que inspira a ideia de territórios que educam vincula-se a um movimento internacionalmente conhecido, denominado Cidades Educadoras, que ganhou força no Brasil por diferentes frentes de ação mobilizadas sobretudo por municípios que aderiram ao movimento, a exemplo de Porto Alegre (1994) e Curitiba (2019), e na área da educação, pelo destaque à pauta da Educação Integral que ganhou impulso com o Programa Mais Educação (2007-2016) com seu importante papel indutor de políticas públicas, seus desdobramentos e agendas intersetoriais no âmbito dos vários ministérios federais envolvidos (Educação, Desenvolvimento Social e Combate a fome, Cultura, Esportes, Saúde, Meio Ambiente, entre outros), bem como a partir das demandas territoriais pautadas por uma miríade de movimentos sociais, escolas e organizações da sociedade civil.
A educação, especialmente a produzida com ancoragem na ética, na cidadania e na democracia, humaniza as relações da vida e é humanizada por elas. Pela educação, os espaços públicos podem tornar-se espaços de bem- viver, mais saudáveis na convivência, lugares de experiência criativa, de resistência e de lutas, de ampliação de oportunidades no campo profissional e de acesso ao conhecimento, à arte e à cultura. O inverso é igualmente verdadeiro, os territórios podem, dialogando com a educação, enriquecê-la.
Nessa mesma linha, entendemos instituições educativas socialmente justas (segundo eixo) como ambientes educativos integrados à vida nos territórios, também promotores de cultura e de conhecimento, mobilizados por currículos capazes de induzir percursos de formação humana, no sentido pleno da educação. São instituições, por premissa, comprometidas com a inclusão, a formação cidadã, o desenvolvimento social, o direito à educação, o exercício e a garantia da liberdade, a equidade e a dignidade humana – conquistas históricas fundamentais.
Entendemos que iniciativas institucionais visando a melhoria das condições da vida contemporânea não avançam sem a conjugação de esforços em patamares de articulação interinstitucional e intersetorial. A REDHUMANI assume essa perspectiva porque entende que instituições educativas e gestoras/es municipais podem atuar juntos na promoção de ações que integrem formação escolar/acadêmica com vida democrática nos territórios. Este é o convite que fazemos às instituições que atuam com formação humana, porque, supomos, também movem significativos esforços para a construção de um mundo melhor para nossas crianças, jovens, pessoas adultas e idosas.
Entre os grandes desafios sociais do Brasil está o enfrentamento da chaga da desigualdade social-educacional por meio da superação dos índices de miséria e pobreza, da fome, do racismo estrutural, da marginalização de parte significativa da população, do desemprego, das dificuldades intra e extraescolares por parte das populações mais vulneráveis, enfim, do baixo nível de acesso de parte da sociedade às riquezas materiais e culturais geradas historicamente. Temos a convicção que a Educação, especialmente a pública, entendida como direito universal e subjetivo, pode alterar gradualmente essa dura realidade, especialmente quando tratada com prioridade, clara intencionalidade e sentido de urgência.
A REDHUMANI, como espaço aberto de debate científico, social e político, e também de proposições focadas na formação escolar integrada aos territórios, assume um conjunto de fundamentos que, entendemos, devem servir como horizonte para construir interlocução com seus pares institucionais, seja
no campo da própria educação superior e básica ou de outras áreas interessadas no aperfeiçoamento das condições de vida e convivência das crianças, jovens, pessoas adultas e idosas nos territórios das cidades.
Entre os princípios a partir dos quais a REDHUMANI se mobiliza estão:
- educação como direito universal e subjetivo – base essa que inclui o direito de acesso e permanência na escola para todos e todas, o direito ao desenvolvimento, a universalização da cultura, do conhecimento, da arte e da cidadania;
- educação pública de gestão pública como caminho para a humanização da vida social – fundamento esse que supõe a luta pela qualidade socialmente referenciada da escola e a formação humana integral como perspectiva;
- escolas socialmente justas – constituídas por coletivos que se comprometem com currículos de ampla base formativa e mobilizados na esfera da vida ética, estética e democrática;
- universidades, institutos, faculdades, centros universitários, centros de pesquisa e demais espaços educativos, como instituições socialmente justas que promovam a expressão do desenvolvimento humano e da vida social;
- currículos escolares pautados na justiça, portanto em direitos sociais, políticos e humanos, e implementados a partir da consideração de três dimensões: do conhecimento como estratégia de produção da vida digna; do cuidado com todos sujeitos do currículo e da convivência democrática e solidária desde a escola;
- territórios como espaços formativos – em espacialidades concreto- simbólicas que conjugam vida e formação como expressão maior da cidadania, promovendo o respeito a diversidade, a consciência ecológica e a sustentabilidade ambiental;
- centralidade dos sujeitos crianças, jovens e adultas/os em seu direito ao território. As aldeias, os campos e as cidades, assim como as escolas
socialmente justas fomentam a cidadania na infância, na juventude e na vida adulta.
Note-se que a escola está sendo colocada nesta carta fundacional como eixo de políticas públicas que articulam os territórios de cidadania. A noção de escola não se encerra no sentido de uma instituição apartada do social, do cultural e do político para operar exclusivamente com a apropriação e construção do conhecimento, ainda que isso seja fundamental. Compreendemos a escola e seus currículos como territórios formativos abertos, como ambientes culturais, sem fronteiras demarcadas, nos quais se operam formas educativas de construção e reconstrução de mundo, de sociedade, de conhecimento e de vidas humanas. Escola e território constituem um mesmo espaço/tempo onde transitam e se conectam distintas experiências, modos de viver e existir, diferenças culturais, valores, desejos, interesses. As aldeias, os campos e as cidades são currículos abertos à escola.
Mobilizados pela força desse conjunto de princípios e com a expectativa de que poderemos mediar articulações em ações interinstitucionais e intersetoriais conjuntas, listamos a seguir algumas das finalidades da REDHUMANI, as quais podem ser ampliadas pela expansão do próprio coletivo que a integra, assim como pela interlocução com outras universidades, institutos, escolas e gestoras/es municipais, líderes de movimentos sociais, na medida que passam a compor este coletivo. Temos como objetivos:
✔ Colaborar na articulação entre universidades, institutos, faculdades, centros universitários, escolas de educação básica, municípios, entidades representativas do poder público e da sociedade civil, visando o desenvolvimento de políticas educativas e integrativas com foco na relação escola-formação-vida-território.
✔ Ampliar a REDHUMANI via adesão de outras instituições de educação superior, entidades não governamentais e municípios, firmando protocolos específicos de interlocução e cooperação.
✔ Fomentar, junto à sociedade e demais instituições parceiras, a produção de pesquisa e a difusão de conhecimentos envolvendo temas relacionados a processos educativos em aldeias, campos e cidades.
✔ Assumir compromissos no âmbito da relação entre formação escolar e acadêmica e as ações locais, nas aldeias, no campo e nas cidades, em municípios brasileiros que integrarem a Rede;
✔ Estimular a criação de grupos interinstitucionais e intersetoriais de pesquisa stricto sensu e de extensão universitária com foco na formação para a vida em territórios que educam;
✔ Estimular a criação de observatórios de pesquisa visando integrar a produção de conhecimento e monitorar projetos relacionados à formação escolar e acadêmica para a vida na cidade, no campo e nas aldeias;
✔ Realizar outras ações educativas definidas nos protocolos específicos estabelecidos com municípios, escolas, institutos e universidades parceiras;
✔ Fomentar a criação de espaços de participação de crianças e jovens na construção da agenda pública.
Com a definição ainda preliminar desta proposta, que pode e deve ser ampliada com novas/os interlocutoras/es, a REDHUMANI visualiza um horizonte de ação que pode ser articulado em torno de três eixos: da pesquisa, da extensão e da formação.
No âmbito da pesquisa, busca-se a mobilização de um conjunto de processos coletivos que envolvam a produção científica atinente à relação escola-formação e vida democrática no território, trabalho este que deve contar com especial apoio dos programas de pós-graduação das universidades. Pode assumir um caráter individual ou coletivo por grupos de pesquisa, redes interinstitucionais de pesquisa, entre outras modalidades. Além disso, pretende- se organizar formas de estruturação, sistematização e difusão da produção
científica em rede, de modo que o conhecimento produzido alcance espaços sociais cada vez mais amplos.
Na extensão, a perspectiva é estimular ações que promovam o gradativo rompimento dos muros que ainda separam escolas de educação básica, institutos e universidades da vida nas cidades, nos campos e nas aldeias, e assim, potencializar a sonhada integração universidade-sociedade. Escolas e universidades devem estar na e com a rua, onde habitam, transitam, trabalham e sonham as pessoas. A extensão possibilita um sem-número de alternativas e ações que podem ser pensadas, estruturadas e desenvolvidas na conjugação de esforços envolvendo instituições educativas e governos municipais como via de mão dupla.
No eixo da formação muitas iniciativas também podem ser pensadas e desenvolvidas com a efetiva participação das instituições que compõem a Rede. No Brasil é relativamente comum a realização de parcerias entre universidades e redes municipais de educação visando o desenvolvimento de ações que incluem, por exemplo, a realização de eventos científicos, cursos de formação continuada de professoras/es, projetos de pesquisa em diferentes áreas de interesse dos territórios, formação de profissionais em nível de pós- graduação lato sensu, formação contínua de equipes para atividades especializadas, além de tantas outras. Também nesse aspecto, a Rede se apresenta como mais uma esfera importante na medida em que pode estreitar e articular relações interinstitucionais, interdisciplinares e intersetoriais, com isso, potencializar novas iniciativas que contribuam para melhorar tanto a qualidade da gestão pública quanto dos serviços que ela presta às cidades, ao campo e às aldeias.
Por fim, este documento de apresentação da REDHUMANI é um convite para que mais instituições de educação superior, escolas de educação básica, outras organizações da sociedade civil, além dos representantes dos municípios brasileiros, a ela se associem, de modo a ampliar e fortalecer, em cada estado brasileiro, um movimento que se mostra imprescindível neste
momento em que vem ocorrendo um desmonte generalizado de instituições e direitos sociais, em especial na área da Educação.
Em suma, uma REDE que se coloca em defesa da humanização e da qualidade de uma formação ampla e emancipatória, condição para a vida democrática e para a própria existência da DEMOCRACIA.
Este texto é também um convite para o LANÇAMENTO DA REDHUMANI em nível nacional, que ocorrerá (de modo remoto) no dia 03 de dezembro de 2021 das 9h às 12h, com presenças internacionais e brasileiras de vários estados e municípios, universidades, representantes de todas as regiões do Brasil, organizações sociais, com manifestações de intelectuais e líderes populares, e alguns eventos culturais de curta duração. A REDHUMANI será sediada pela Universidade Estadual do Rio Grande do Norte – UERN, que abrigará seu site.
Marque em sua agenda a data, o horário e o link que se segue: https://youtu.be/zoiQZkdQ6nw e seja bem-vinda/o!
Maria Nilde Mascellani
A história da Educação do Brasil sempre registrou um significativo conjunto de ideias e de movimentos, de projetos reais e efetivos de proposição de transformações estruturais na esfera da Educação e na concepção e organização das Escolas, em sua trajetória de cinco séculos de existência. Durante grande parte deste tempo histórico a Educação escolar brasileira foi pensada e organizada sobre o conceito de privilégio de algumas classes sociais, e não como direito de todos os brasileiros e brasileiras.
Do ponto de vida histórico e jurídico plenos, a ideia de que todos os brasileiros e todas as brasileiras têm direito à Educação emergiu efetivamente a partir de 1934, na Constituição democrática daquele momento, logo mais tarde anulada com o Estado Novo (1937-1945). Em 1946 uma nova Constituição consagrava o direito à Educação como universal, e a Lei 4.024 de 20 de Dezembro de 1961, nossa primeira LDBEN (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional) buscava uma nova forma do organizar a Educação e a Escola do Brasil, numa primeira manifestação histórica na direção de buscar a transformação social escolar e pedagógica da Educação brasileira. Com o golpe militar e a ditadura civil-militar que se seguiu (1964-1985) novamente a tentativa de efetivar uma verdadeira e orgânica transformação educacional, escolar, pedagógica e curricular no Brasil foi política e historicamente frustrada. A promulgação da Lei 5.692, de 1971, efetivada na ditadura militar, solapava as iniciativas e os movimentos de mudança da Educação Brasileira, quebrando o impulso democrático de nossa primeira lei de diretrizes e bases nacionais.
Foi neste contexto que a educadora Maria Nilde Mascellani (1931-1999) ajudou a criar, liderou, debateu, propôs e coordenou (dirigiu) uma nas experiências mais destacadas de transformação pedagógica já vivenciadas na história da educação e da organização escolar do Brasil - as Escolas Vocacionais Estaduais de São Paulo.
Nasceu em São Paulo em 1931, no Bairro do Brás, ali formando-se professora na Escola Normal, depois formando-se Pedagoga na Universidade de São Paulo. Foi professora em diversas escolas paulistanas e em 1959 trabalhou na cidade de Socorro SP, nas chamadas classes experimentais, que constituíam se de medidas organizacionais de mudanças institucionais e pedagógicas de inspiração francesa, avançados e vanguardistas na Educação.
Foi convocada pelo Secretário Estadual de Educação em 1961 para executar um projeto transformador de organização das escolas paulistas, que fosse uma espécie de projeto-piloto, com a intenção de construir uma escola que ajudasse os alunos e alunas a desenvolver sua vocação e que tivesse relações profundas com a comunidade. Nascia o S.E.V. (Serviço de Ensino Vocacional), que era a denominação deste original projeto de Educação pública paulista. Os Ginásios Vocacionais foram derivações deste projeto, organizado num ciclo de 04 anos nas cidades paulistas de São Paulo SP, Americana SP e Batatais SP primeiramente, depois em Rio Claro SP, Barretos SP e São Caetano do Sul SP, em 1968. O sentido de “vocacional” aqui não se reduz às indicações de aptidões para o trabalho, mas sim para designar a perspectiva da escola socialmente justa fundada numa compreensão social da qualidade pedagógica na direção de considerar a originalidade de cada pessoa, de cada aluno (a), no sentido de “ser mais”, tomando a palavra “vocação” como expressão de humanização ou de formação humana.
A ação dos ginásios vocacionais era transformadora pela organização do ensino em tempo integral e com uma concepção de integralidade em todas as atividades desenvolvidas. A proposta de organização dos ginásios vocacionais incluía a integração curricular, as consultas às características, necessidades e prioridades da comunidade do entorno da escola, os debates e decisões participativas nos rumos e nos dinamismos das escolas. Havia um criterioso processo seletivo para as vagas nos espaços vocacionais, Maria Nilde não admitia os privilégios e recusava as recomendações de políticos e de militares que queriam matricular seus apadrinhados e familiares, isto lhe renderia muitos dissabores. A ideia de formação vocacional incluía Artes, Teatro, Música, Cultura, Jogos, educação contábil, matemática, geografia, ensino religioso e fotografia, uma novidade da época. Os professores trabalhavam em grupos e em atividades comuns, de maneira integral, articulando os conteúdos com as escolhas dos alunos e de seus interesses. Estudos do meio, leituras, caminhadas, representações teatrais, músicas populares, criações, poesias, desenhos – tudo estava vinculado ao projeto de fazer com que os alunos e alunas desenvolvessem plenamente a vocação de ser um ser humano em plenitude.
Com a decretação do AI 5 em 1968 as escolas vocacionais foram duramente perseguidas pelo regime da ditadura, acusando seus líderes, entre as quais Maria Nilde Mascellani de “ideias comunistas e subversivas”, o que se comprovou, mais tarde, serem falsas e perversas formas de perseguição e de repressão da ditadura militar para com uma das mais belas e criativas propostas de mudanças educacionais e pedagógicas daquele momento histórico. Presa e retirada da coordenação das escolas vocacionais em 1971, Maria Nilde Mascellani sofreu repressões, perseguição e prisões, acusada de subversão e caluniada pelas mais diversas e torpes mentiras. A professora somente teve o direito de voltar às Escolas e ser reintegrada às funções de Supervisora de Ensino em 1984, por ato do Governador Franco Montoro.
Maria Nilde Mascellani faleceu em 1999, de um infarto agudo, com 68 anos de idade. No mesmo ano de sua morte defendeu o Doutorado em Educação, sobre o tema da Educação do Trabalhador, meses antes de falecer. Mas deixou sua marca numa das mais destacadas instituições de educação do Brasil: os Ginásios Vocacionais Paulistas dos anos 1970.
Darcy Ribeiro
Darcy Ribeiro foi um sociólogo, antropólogo, educador, escritor e indigenista brasileiro, defensor da causa indígena e da educação pública e de qualidade. Seus estudos publicados em vasta produção bibliográfica são centrais para o entendimento da cultura indígena e da formação do povo brasileiro.
O antropólogo Darcy Ribeiro também escreveu romances e entrou para a Academia Brasileira de Letras por suas contribuições literárias. Dentre seus grandes feitos, estão a criação do Museu do Índio, a fundação da Universidade de Brasília (UnB), a criação de um amplo projeto de educação em tempo integral no Rio de Janeiro (os Cieps) junto ao governador Leonel Brizola, a fundação do Parque Nacional do Xingu e a participação na criação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira – LDB (Lei 9394/96).
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Darcy Ribeiro
Darcy Ribeiro foi um sociólogo, antropólogo, educador, escritor e indigenista|1| brasileiro, defensor da causa indígena e da educação pública e de qualidade. Seus estudos publicados em vasta produção bibliográfica são centrais para o entendimento da cultura indígena e da formação do povo brasileiro.
Leia também: Direitos humanos: conjunto de direitos básicos do cidadão
O antropólogo Darcy Ribeiro também escreveu romances e entrou para a Academia Brasileira de Letras por suas contribuições literárias. Dentre seus grandes feitos, estão a criação do Museu do Índio, a fundação da Universidade de Brasília (UnB), a criação de um amplo projeto de educação em tempo integral no Rio de Janeiro (os Cieps) junto ao governador Leonel Brizola, a fundação do Parque Nacional do Xingu e a participação na criação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira – LDB|2| (Lei 9394/96).
Darcy Ribeiro, um dos principais estudiosos de Antropologia do Brasil. [1]
Darcy Ribeiro, um dos principais estudiosos de Antropologia do Brasil. [1]
Biografia
Em 26 de outubro de 1922, nasceu, na cidade de Montes Claros (MG), Darcy Ribeiro. Em 1946, Ribeiro obteve o diploma de Ciências Sociais com habilitação em Antropologia pela Escola de Sociologia e Política de São Paulo. Entre 1947 e 1956, o antropólogo trabalhou no Serviço de Proteção ao Índio (atual Fundação Nacional do Índio – Funai) como etnólogo|3|.
Em 1948, Ribeiro casou-se com Berta Gleizer Ribeiro, também antropóloga e etnóloga, que partiu com o marido para o estudo de campo de aldeias indígenas do Mato Grosso no período em que ele trabalhou para o Serviço de Proteção ao Índio. Berta e Darcy separaram-se em 1974, período em que viviam o exílio político no Chile.
Entre 1957 e 1961, Ribeiro foi diretor de Estudos Sociais do Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais do Ministério da Educação (MEC). Nesse período, participou das discussões sobre a criação da primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação, de 1961. Nesse período, também idealizou e concretizou, junto ao educador, jurista e escritor brasileiro Anísio Teixeira, a criação da Universidade de Brasília. Darcy Ribeiro foi o primeiro reitor da instituição educacional, que hoje é referência em pesquisas acadêmicas no Brasil.
Entre 1962 e 1964, o antropólogo foi ministro da Educação e ministro Chefe da Casa Civil do governo do Presidente João Goulart. Em 1964, com o golpe militar que introduziu a Ditadura Civil-Militar do Brasil (1964-1985), Ribeiro foi exilado, indo para o Uruguai com sua esposa Berta Gleizer.
Entre 1964 e 1968, o casal começou a trabalhar na escrita (por Darcy) e na primeira edição (por Berta) da coletânea de obras e estudos chamada Antropologia da Civilização, constituída por cinco volumes. São eles: O processo Civilizatório, As Américas e a Civilização, O Dilema da América Latina e Os Brasileiros, que se subdivide em Teoria do Brasil e Os Índios e a Civilização. Nesse período, Ribeiro também lecionou Antropologia na Universidade Oriental do Uruguai.
Em 1968, o antropólogo retornou ao Brasil. O cenário político brasileiro nesse ano era sombrio. Os militares criaram uma série de medidas de controle social, e o governo havia decretado o Ato Institucional n.º 5 (AI-5), que foi uma medida ditatorial que praticamente suspendeu os direitos civis previstos na Constituição Federal e permitiu de vez a prisão arbitrária, sem direito à defesa, além de programar medidas de censura mais duras.
Darcy Ribeiro veio para participar da Passeata dos Cem Mil, uma grande manifestação contra a Ditadura Militar. Nessa ocasião, Ribeiro foi preso e ficou encarcerado durante nove meses. Sua esposa Berta e intelectuais brasileiros tentavam articulações para liberar o antropólogo. Após a sua soltura, Ribeiro partiu com Berta para o exílio novamente, dessa vez passando pela Venezuela, pelo Chile e pelo Peru. Nessa ocasião, o antropólogo escreveu dois romances, além de trabalhar como consultor de reformas e implantações de universidades nos países em que passou. Ele também prestou consultoria educacional para o governo do presidente chileno Salvador Allende.
Em 1976, Darcy Ribeiro voltou do exílio e, em 1980, foi anistiado das acusações de crimes políticos. Filiou-se ao Partido Democrata Brasileiro (PDT) e, em 1982, iniciou seu mandato como vice-governador do Estado do Rio de Janeiro junto ao governador Leonel Brizola. No mesmo período e ao mesmo tempo em que era vice-governador, Darcy Ribeiro foi Secretário de Estado da Cultura e coordenador do Programa Especial de Educação.
O Programa Especial de Educação, criado por Darcy e Brizola, visava implantar 500 unidades escolares denominadas Cieps (Centros Integrados de Educação Pública) no Estado do Rio de Janeiro. Os Cieps eram escolas de tempo integral, em que os estudantes teriam atividades escolares regulares, além de reforço escolar, educação física, iniciação esportiva, projetos culturais, como aulas de música, pintura e teatro.
Nos Cieps, as crianças ficavam das oito da manhã às cinco da tarde e faziam lá todas as refeições do período (café da manhã, lanche da manhã, almoço, lanche da tarde e jantar). Também havia unidades que recolhiam crianças de rua e abrigava-as em uma estrutura separada dentro do Ciep, funcionando como uma espécie de abrigo público, que, além de oferecer educação, cultura, esporte, lazer e alimentação, oferecia um lar às crianças de rua. O projeto arquitetônico inicial dos Cieps ficou a cargo do arquiteto e urbanista brasileiro Oscar Niemeyer.
Darcy Ribeiro também criou, como secretário da Cultura, o Sambódromo do Rio de Janeiro, mais conhecido como Sambódromo da Marquês de Sapucaí, originalmente nomeado Passarela Professor Darcy Ribeiro. Embaixo das arquibancadas do sambódromo, funcionou durante muito tempo um Ciep. A ideia era fazer uma construção colossal, como o sambódromo, mas que não fosse utilizada somente durante o Carnaval, sendo aproveitada durante todo o ano.
Em 1990, Darcy Ribeiro elegeu-se senador, continuando sua atuação em defesa da cultura e da educação. A Constituição Federal de 1988 trazia uma ideia de educação pública e igualitária que a Lei de Diretrizes e Bases de 1961 não mais contemplava. Formou-se um debate de quase oito anos para a promulgação de uma nova LDB. Marco Maciel, Maurício Correa e Darcy Ribeiro foram os criadores do projeto de lei que deu origem à Lei 9394/1996, mais conhecida como Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira, que foi sancionada em 1996 pelo então presidente do Brasil, o sociólogo Fernando Henrique Cardoso.
Em 1995, Ribeiro publicou o seu último livro, O Povo Brasileiro, sendo talvez a sua obra mais ampla e completa sobre a formação antropológica do Brasil. Em 17 de fevereiro de 1997, o antropólogo morreu na cidade de Brasília, em decorrência de complicações causadas por um câncer, descoberto em 1995.
Darcy Ribeiro foi agraciado com doutorados honoris causa emitidos pela Universidade de Sorbonne, Universidade de Copenhague, Universidade do Uruguai, Universidade da Venezuela e Universidade de Brasília. Em 1992, o antropólogo e escritor foi nomeado membro da Academia Brasileira de Letras, ocupando a cadeira de número 11.
Fonte: Mundo Educação
Paulo Freire
Paulo Freire (1921-1997) foi o mais célebre educador brasileiro, com atuação e reconhecimento internacionais. Conhecido principalmente pelo método de alfabetização de adultos que leva seu nome, ele desenvolveu um pensamento pedagógico assumidamente político. Para Freire, o objetivo maior da educação é conscientizar o aluno. Isso significa, em relação às parcelas desfavorecidas da sociedade, levá-las a entender sua situação de oprimidas e agir em favor da própria libertação. O principal livro de Freire se intitula justamente Pedagogia do Oprimido e os conceitos nele contidos baseiam boa parte do conjunto de sua obra.
Ao propor uma prática de sala de aula que pudesse desenvolver a criticidade dos alunos, Freire condenava o ensino oferecido pela ampla maioria das escolas (isto é, as “escolas burguesas”), que ele qualificou de educação bancária. Nela, segundo Freire, o professor age como quem deposita conhecimento num aluno apenas receptivo, dócil. Em outras palavras, o saber é visto como uma doação dos que se julgam seus detentores. Trata-se, para Freire, de uma escola alienante, mas não menos ideologizada do que a que ele propunha para despertar a consciência dos oprimidos. “Sua tônica fundamentalmente reside em matar nos educandos a curiosidade, o espírito investigador, a criatividade”, escreveu o educador. Ele dizia que, enquanto a escola conservadora procura acomodar os alunos ao mundo existente, a educação que defendia tinha a intenção de inquietá-los.
Freire criticava a idéia de que ensinar é transmitir saber porque para ele a missão do professor era possibilitar a criação ou a produção de conhecimentos. Mas ele não comungava da concepção de que o aluno precisa apenas de que lhe sejam facilitadas as condições para o auto-aprendizado. Freire previa para o professor um papel diretivo e informativo – portanto, ele não pode renunciar a exercer autoridade. Segundo o pensador pernambucano, o profissional de educação deve levar os alunos a conhecer conteúdos, mas não como verdade absoluta. Freire dizia que ninguém ensina nada a ninguém, mas as pessoas também não aprendem sozinhas. “Os homens se educam entre si mediados pelo mundo”, escreveu. Isso implica um princípio fundamental para Freire: o de que o aluno, alfabetizado ou não, chega à escola levando uma cultura que não é melhor nem pior do que a do professor. Em sala de aula, os dois lados aprenderão juntos, um com o outro – e para isso é necessário que as relações sejam afetivas e democráticas, garantindo a todos a possibilidade de se expressar. “Uma das grandes inovações da pedagogia freireana é considerar que o sujeito da criação cultural não é individual, mas coletivo”, diz José Eustáquio Romão, diretor do Instituto Paulo Freire, em São Paulo.
A valorização da cultura do aluno é a chave para o processo de conscientização preconizado por Paulo Freire e está no âmago de seu método de alfabetização, formulado inicialmente para o ensino de adultos. Basicamente, o método propõe a identificação e catalogação das palavras-chave do vocabulário dos alunos – as chamadas palavras geradoras. Elas devem sugerir situações de vida comuns e significativas para os integrantes da comunidade em que se atua, como por exemplo “tijolo” para os operários da construção civil.
Diante dos alunos, o professor mostrará lado a lado a palavra e a representação visual do objeto que ela designa. Os mecanismos de linguagem serão estudados depois do desdobramento em sílabas das palavras geradoras. O conjunto das palavras geradoras deve conter as diferentes possibilidades silábicas e permitir o estudo de todas as situações que possam ocorrer durante a leitura e a escrita. “Isso faz com que a pessoa incorpore as estruturas lingüísticas do idioma materno”, diz Romão. Embora a técnica de silabação seja hoje vista como ultrapassada, o uso de palavras geradoras continua sendo adotado com sucesso em programas de alfabetização em diversos países do mundo.
Fonte: Nova Escola